Quando não tinha nada eu quis
Quando tudo era ausência esperei
Quando tive frio tremi
Quando tive coragem liguei
Quando chegou carta abri
Quando ouvi Prince dancei
Quando o olho brilhou, entendi
Quando criei asas, voei
(Trecho "Á primeira vista", música Daniela Mercury)
sábado, 28 de fevereiro de 2009
quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009
Justiças
Justiças
Fevereiro 25, 2009 by José Saramago
No dia de 22 de Julho de 2005, um cidadão brasileiro, Jean Charles de Menezes, de profissão electricista, foi assassinado em Londres, numa estação de metro, por agentes da polícia metropolitana que o confundiram, diz-se, com um terrorista. Entrou numa carruagem, sentou-se tranquilamente, parece que chegou mesmo a abrir o jornal gratuito que havia recolhido na estação, quando os polícias irromperam e o arrastaram para o cais. Não o detiveram, não o prenderam, derrubaram-no violentamente e dispararam-lhe dez balas, sete das quais na cabeça. Desde o primeiro dia, a Scotland Yard não fez outra coisa que criar obstáculos à investigação. Não houve julgamento. A procuradoria impediu que os polícias fossem incriminados e o juiz proibiu o jurado de pronunciar uma sentença condenatória. Já sabem, se algum dia lhes aparecer por aí uma peruca branca, dessas que aparecem nos filmes, digam ao portador o que as pessoas honestas pensam destas justiças.
Publicado em O Caderno de Saramago
Fonte: http://caderno.josesaramago.org/
Fevereiro 25, 2009 by José Saramago
No dia de 22 de Julho de 2005, um cidadão brasileiro, Jean Charles de Menezes, de profissão electricista, foi assassinado em Londres, numa estação de metro, por agentes da polícia metropolitana que o confundiram, diz-se, com um terrorista. Entrou numa carruagem, sentou-se tranquilamente, parece que chegou mesmo a abrir o jornal gratuito que havia recolhido na estação, quando os polícias irromperam e o arrastaram para o cais. Não o detiveram, não o prenderam, derrubaram-no violentamente e dispararam-lhe dez balas, sete das quais na cabeça. Desde o primeiro dia, a Scotland Yard não fez outra coisa que criar obstáculos à investigação. Não houve julgamento. A procuradoria impediu que os polícias fossem incriminados e o juiz proibiu o jurado de pronunciar uma sentença condenatória. Já sabem, se algum dia lhes aparecer por aí uma peruca branca, dessas que aparecem nos filmes, digam ao portador o que as pessoas honestas pensam destas justiças.
Publicado em O Caderno de Saramago
Fonte: http://caderno.josesaramago.org/
Dizemos
Dizemos
By José Saramago
By José Saramago
Dizemos aos confusos, Conhece-te a ti mesmo, como se conhecer-se a si mesmo não fosse a quinta e mais difícil operação das aritméticas humanas, dizemos aos abúlicos, Querer é poder, como se as realidades bestiais do mundo não se divertissem a inverter todos os dias a posição relativa dos verbos, dizemos aos indecisos, Começar pelo princípio, como se esse princípio fosse a ponta sempre visível de um fio mal enrolado que bastasse puxar e ir puxando até chegarmos à outra ponta, a do fim, e como se, entre a primeira e a segunda, tivéssemos tido nas mãos uma linha lisa e contínua em que não havia sido preciso desfazer nós nem desenredar emanharados, coisa impossível de acontecer na vida dos novelos, e, se uma outra frase de efeito é permitida, nos novelos da vida.
Segue o Seco
Segue o Seco
Marisa Monte
A boiada seca
Na enxurrada seca
A trovoada seca
Na enxada seca
Segue o seco sem sacar que o caminho é seco
Sem sacar que o espinho é seco
Sem sacar que seco é o Ser Sol
Sem sacar que algum espinho seco secará
E a água que sacar será um tiro seco
E secará o seu destino secará
Ô chuva, vem me dizer
Se posso ir lá em cima prá derramar você
Ô chuva, preste atenção
Se o povo lá de cima vive na solidão
Se acabar não acostumando
Se acabar parado calado
Se acabar baixinho chorando
Se acabar meio abandonado
Pode ser lágrimas de São Pedro
Ou talvez um grande amor chorando
Pode ser o desabotoado céu
Pode ser coco derramando
Marisa Monte
A boiada seca
Na enxurrada seca
A trovoada seca
Na enxada seca
Segue o seco sem sacar que o caminho é seco
Sem sacar que o espinho é seco
Sem sacar que seco é o Ser Sol
Sem sacar que algum espinho seco secará
E a água que sacar será um tiro seco
E secará o seu destino secará
Ô chuva, vem me dizer
Se posso ir lá em cima prá derramar você
Ô chuva, preste atenção
Se o povo lá de cima vive na solidão
Se acabar não acostumando
Se acabar parado calado
Se acabar baixinho chorando
Se acabar meio abandonado
Pode ser lágrimas de São Pedro
Ou talvez um grande amor chorando
Pode ser o desabotoado céu
Pode ser coco derramando
sábado, 21 de fevereiro de 2009
Auto da Lusitânia - Gil Vicente
Gil Vicente
("Todo o Mundo" era um rico mercador, e "Ninguém", um homem pobre. Belzebu e Dinato tecem comentários espirituosos, fazem trocadilhos, procurando evidenciar temas ligados à verdade, à cobiça, à vaidade, à virtude e à honra dos homens.)
Entra Todo o Mundo, rico mercador, e faz que anda buscando alguma cousa que perdeu; e logo após, um homem, vestido como pobre. Este se chama Ninguém e diz:
Ninguém: Que andas tu aí buscando?
Todo o Mundo: Mil cousas ando a buscar:
delas não posso achar,
porém ando porfiando
por quão bom é porfiar.
Ninguém: Como hás nome, cavaleiro?
Todo o Mundo: Eu hei nome Todo o Mundo
e meu tempo todo inteiro
sempre é buscar dinheiro
e sempre nisto me fundo.
Ninguém: Eu hei nome Ninguém,
e busco a consciência.
Belzebu: Esta é boa experiência:
Dinato, escreve isto bem.
Dinato: Que escreverei, companheiro?
Belzebu: Que Ninguém busca consciência.
e Todo o Mundo dinheiro.
Ninguém: E agora que buscas lá?
Todo o Mundo: Busco honra muito grande.
Ninguém: E eu virtude, que Deus mande
que tope com ela já.
Belzebu: Outra adição nos acude:
escreve logo aí, a fundo,
que busca honra Todo o Mundo
e Ninguém busca virtude.
Ninguém: Buscas outro mor bem qu'esse?
Todo o Mundo: Busco mais quem me louvasse
tudo quanto eu fizesse.
Ninguém: E eu quem me repreendesse
em cada cousa que errasse.
Belzebu: Escreve mais.
Dinato: Que tens sabido?
Belzebu: Que quer em extremo grado
Todo o Mundo ser louvado,
e Ninguém ser repreendido.
Ninguém: Buscas mais, amigo meu?
Todo o Mundo: Busco a vida a quem ma dê.
Ninguém: A vida não sei que é,
a morte conheço eu.
Belzebu: Escreve lá outra sorte.
Dinato: Que sorte?
Belzebu: Muito garrida:
Todo o Mundo busca a vida
e Ninguém conhece a morte.
Todo o Mundo: E mais queria o paraíso,
sem mo Ninguém estorvar.
Ninguém: E eu ponho-me a pagar
quanto devo para isso.
Belzebu: Escreve com muito aviso.
Dinato: Que escreverei?
Belzebu: Escreve
que Todo o Mundo quer paraíso
e Ninguém paga o que deve.
Todo o Mundo: Folgo muito d'enganar,
e mentir nasceu comigo.
Ninguém: Eu sempre verdade digo
sem nunca me desviar.
Belzebu: Ora escreve lá, compadre,
não sejas tu preguiçoso.
Dinato: Quê?
Belzebu: Que Todo o Mundo é mentiroso,
E Ninguém diz a verdade.
Ninguém: Que mais buscas?
Todo o Mundo: Lisonjear.
Ninguém: Eu sou todo desengano.
Belzebu: Escreve, ande lá, mano.
Dinato: Que me mandas assentar?
Belzebu: Põe aí mui declarado,
não te fique no tinteiro:
Todo o Mundo é lisonjeiro,
e Ninguém desenganado.
FONTE: http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/resumos_comentarios/a/auto_da_lusitania
("Todo o Mundo" era um rico mercador, e "Ninguém", um homem pobre. Belzebu e Dinato tecem comentários espirituosos, fazem trocadilhos, procurando evidenciar temas ligados à verdade, à cobiça, à vaidade, à virtude e à honra dos homens.)
Entra Todo o Mundo, rico mercador, e faz que anda buscando alguma cousa que perdeu; e logo após, um homem, vestido como pobre. Este se chama Ninguém e diz:
Ninguém: Que andas tu aí buscando?
Todo o Mundo: Mil cousas ando a buscar:
delas não posso achar,
porém ando porfiando
por quão bom é porfiar.
Ninguém: Como hás nome, cavaleiro?
Todo o Mundo: Eu hei nome Todo o Mundo
e meu tempo todo inteiro
sempre é buscar dinheiro
e sempre nisto me fundo.
Ninguém: Eu hei nome Ninguém,
e busco a consciência.
Belzebu: Esta é boa experiência:
Dinato, escreve isto bem.
Dinato: Que escreverei, companheiro?
Belzebu: Que Ninguém busca consciência.
e Todo o Mundo dinheiro.
Ninguém: E agora que buscas lá?
Todo o Mundo: Busco honra muito grande.
Ninguém: E eu virtude, que Deus mande
que tope com ela já.
Belzebu: Outra adição nos acude:
escreve logo aí, a fundo,
que busca honra Todo o Mundo
e Ninguém busca virtude.
Ninguém: Buscas outro mor bem qu'esse?
Todo o Mundo: Busco mais quem me louvasse
tudo quanto eu fizesse.
Ninguém: E eu quem me repreendesse
em cada cousa que errasse.
Belzebu: Escreve mais.
Dinato: Que tens sabido?
Belzebu: Que quer em extremo grado
Todo o Mundo ser louvado,
e Ninguém ser repreendido.
Ninguém: Buscas mais, amigo meu?
Todo o Mundo: Busco a vida a quem ma dê.
Ninguém: A vida não sei que é,
a morte conheço eu.
Belzebu: Escreve lá outra sorte.
Dinato: Que sorte?
Belzebu: Muito garrida:
Todo o Mundo busca a vida
e Ninguém conhece a morte.
Todo o Mundo: E mais queria o paraíso,
sem mo Ninguém estorvar.
Ninguém: E eu ponho-me a pagar
quanto devo para isso.
Belzebu: Escreve com muito aviso.
Dinato: Que escreverei?
Belzebu: Escreve
que Todo o Mundo quer paraíso
e Ninguém paga o que deve.
Todo o Mundo: Folgo muito d'enganar,
e mentir nasceu comigo.
Ninguém: Eu sempre verdade digo
sem nunca me desviar.
Belzebu: Ora escreve lá, compadre,
não sejas tu preguiçoso.
Dinato: Quê?
Belzebu: Que Todo o Mundo é mentiroso,
E Ninguém diz a verdade.
Ninguém: Que mais buscas?
Todo o Mundo: Lisonjear.
Ninguém: Eu sou todo desengano.
Belzebu: Escreve, ande lá, mano.
Dinato: Que me mandas assentar?
Belzebu: Põe aí mui declarado,
não te fique no tinteiro:
Todo o Mundo é lisonjeiro,
e Ninguém desenganado.
FONTE: http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/resumos_comentarios/a/auto_da_lusitania
sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009
Céu de Santo Amaro
Céu de Santo Amaro (com Flávio Venturini)
Olho para o céu
Tantas estrelas dizendo da imensidão
Do universo em nós
A força desse amor
Nos invadiu...
Com ela veio a paz, toda beleza de sentir
Que para sempre uma estrela vai dizer
Simplesmente amo você...
Meu amor..
Vou lhe dizer
Quero você
Com a alegria de um pássaro
Em busca de outro verão
Na noite do sertão
Meu coração só quer bater por ti
Eu me coloco em tuas mãos
Para sentir todo o carinho que sonhei
Nós somos rainha e rei
Na noite do sertão
Meu coração só quer bater por ti
Eu me coloco em tuas mãos
Para sentir todo o carinho que sonhei
Nós somos rainha e rei
Olho para o céu
Tantas estrelas dizendo da imensidão
Do universo em nós
A força desse amor nos invadiu...
Então...
Veio a certeza de amar você...
Olho para o céu
Tantas estrelas dizendo da imensidão
Do universo em nós
A força desse amor
Nos invadiu...
Com ela veio a paz, toda beleza de sentir
Que para sempre uma estrela vai dizer
Simplesmente amo você...
Meu amor..
Vou lhe dizer
Quero você
Com a alegria de um pássaro
Em busca de outro verão
Na noite do sertão
Meu coração só quer bater por ti
Eu me coloco em tuas mãos
Para sentir todo o carinho que sonhei
Nós somos rainha e rei
Na noite do sertão
Meu coração só quer bater por ti
Eu me coloco em tuas mãos
Para sentir todo o carinho que sonhei
Nós somos rainha e rei
Olho para o céu
Tantas estrelas dizendo da imensidão
Do universo em nós
A força desse amor nos invadiu...
Então...
Veio a certeza de amar você...
quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009
quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009
Garotos
Garotos II - O Outro Lado
Leoni
Composição: Leoni
Seus olhos e seus olhares
Milhares de tentações
Meninas são tão mulheres
Seus truques e confusões
Se espalham pelos pêlos
Boca e cabelo
Peitos e poses e apelos
Me agarram pelas pernas
Certas mulheres como você
Me levam sempre onde querem
Garotos não resistem
Aos seus mistérios
Garotos nunca dizem não
Garotos como eu
Sempre tão espertos
Perto de uma mulher
São só garotos
Seus dentes e seus sorrisos
Mastigam meu corpo e juízo
Devoram os meus sentidos
Eu já não me importo comigo
Então são mãos e braços
Beijos e abraços
Pele, barriga e seus laços
São armadilhas e eu
não sei o que faço
Aqui de palhaço
Seguindo seus passos
Garotos não resistem
Aos seus mistérios
Garotos nunca dizem não
Garotos como eu sempre tão espertos
Perto de uma mulher
São só garotos....
São só garotos....
Se espalham pelos pêlos
Boca e cabelo
Peitos e poses e apelos
Me agarram pelas pernas
Certas mulheres como você
Me levam sempre onde querem
Garotos não resistem
Aos seus mistérios
Garotos nunca dizem não
Garotos como eu
Sempre tão espertos
Perto de uma mulher
Garotos não resistem
Aos seus mistérios
Garotos nunca dizem não
Garotos como eu
Sempre tão espertos
Perto de uma mulher
São só garotos...
Perto de uma mulher
São só garotos...
Perto de uma mulher
São só ... garotos...
Leoni
Composição: Leoni
Seus olhos e seus olhares
Milhares de tentações
Meninas são tão mulheres
Seus truques e confusões
Se espalham pelos pêlos
Boca e cabelo
Peitos e poses e apelos
Me agarram pelas pernas
Certas mulheres como você
Me levam sempre onde querem
Garotos não resistem
Aos seus mistérios
Garotos nunca dizem não
Garotos como eu
Sempre tão espertos
Perto de uma mulher
São só garotos
Seus dentes e seus sorrisos
Mastigam meu corpo e juízo
Devoram os meus sentidos
Eu já não me importo comigo
Então são mãos e braços
Beijos e abraços
Pele, barriga e seus laços
São armadilhas e eu
não sei o que faço
Aqui de palhaço
Seguindo seus passos
Garotos não resistem
Aos seus mistérios
Garotos nunca dizem não
Garotos como eu sempre tão espertos
Perto de uma mulher
São só garotos....
São só garotos....
Se espalham pelos pêlos
Boca e cabelo
Peitos e poses e apelos
Me agarram pelas pernas
Certas mulheres como você
Me levam sempre onde querem
Garotos não resistem
Aos seus mistérios
Garotos nunca dizem não
Garotos como eu
Sempre tão espertos
Perto de uma mulher
Garotos não resistem
Aos seus mistérios
Garotos nunca dizem não
Garotos como eu
Sempre tão espertos
Perto de uma mulher
São só garotos...
Perto de uma mulher
São só garotos...
Perto de uma mulher
São só ... garotos...
segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009
Consequente
Consequente
Alfredo Rossetti
não sei de onde eu vim
e para onde vou me inquieta
vivo entre a lógica e a loucura
daí, poeta
Alfredo Rossetti
não sei de onde eu vim
e para onde vou me inquieta
vivo entre a lógica e a loucura
daí, poeta
domingo, 15 de fevereiro de 2009
O que Possuímos
O Que Possuímos
É interessante anotar como desejamos, no mundo, tantas coisas, que nos parecem imprescindíveis.
Quantas vezes, em meio às tarefas que nos cabem, na oficina de trabalho, não desejamos um emprego melhor?
Pois é. Gostaríamos de um melhor ambiente de trabalho, um chefe menos rigoroso, uma carga horária menor, um salário maior.
No entanto, centenas de pessoas anseiam somente por ter um emprego. Qualquer que fosse. Um salário mínimo, ao menos, para saírem da penúria total.
Quantas vezes reclamamos dos pratos servidos no almoço e no jantar? Sempre a mesma coisa. Parece que a cozinheira está desprovida de idéias ou anda com preguiça.
Entretanto, enquanto almejamos pratos mais sofisticados e variados, milhares, no mundo todo, desejam apenas um prato de comida.
Olhamo-nos no espelho e reclamamos da cor dos olhos. Como seria bom se tivéssemos olhos claros. Ou escuros. Mais esverdeados.
Contudo, inúmeras criaturas aguardam simplesmente a oportunidade de enxergar. Anseiam por uma córnea, uma cirurgia que os libere da cegueira em que se encontram.
Encantamo-nos com as vozes do cantor, do locutor e desejaríamos ter uma voz bonita, cristalina. Ou encorpada, máscula.
Ao nosso lado, porém, caminham muitos que desejariam apenas ter a ventura de falar, em qualquer tom.
Pensamos, olhando nossos pais, que seria muito bom se eles fossem mais esclarecidos, tivessem diplomas universitários, conhecessem o mundo.
Tivessem, enfim, uma visão mais ampla do mundo.
Seria tão bom! Mas, em nosso mesmo bairro, existem dezenas de pessoas que almejariam simplesmente ter pais.
Fossem eles iletrados, analfabetos, pobres de entendimento. Mas que estivessem ao seu lado para amá-los.
Reclamamos da rua barulhenta em que se situa a nossa casa, do cachorro do vizinho que late toda noite, perturbando-nos o sono.
Desejaríamos silêncio. Um bairro tranqüilo, cães disciplinados, ruas sem trânsito. Muito silêncio para nossa leitura, nosso descanso, nosso lazer.
Nem nos damos conta que centenas de criaturas almejam ardentemente, simplesmente ouvir. O que quer que seja. O ruído do trânsito, o apito das fábricas, a gritaria da criançada.
Qualquer coisa, contanto que pudessem ouvir.
Olhamos, com olhos de desejo, as vitrinas abarrotadas de sapatos lindos. Modelos recém chegados. Lançamentos.
Gostaríamos tanto que nosso orçamento nos permitisse comprar um novo par. Afinal, os nossos já andam um pouco gastos e fora de moda.
Enquanto olhamos para nossos pés, desejando novos sapatos, muitos contemplam os próprios membros inferiores, desejando apenas ter pés.
Pensamos num carro novo, mais confortável. Um carro com porta-malas maior, que caiba mais coisas.
Enquanto isso, bem próximo de nós, muitos apenas sonham com a possibilidade de se locomover de um lado a outro com as próprias pernas.
É justo sonhar. É bom desejar melhorar o padrão de vida. Isto faz parte do progresso do ser humano.
Entretanto, que esses anseios não se constituam em nossa infelicidade. Não esqueçamos de valorizar o que já temos.
Valorizemos a possibilidade de andar, ouvir, enxergar, de nos locomover de um a outro lado, por nossa própria conta.
Agradeçamos o emprego que nos permite o atendimento das nossas necessidades.
Sejamos gratos pela nossa família, pequena ou grande. Ilustrada ou não.
Agradeçamos, enfim, a Deus, pelo dom da vida. Por estar na terra, abençoada escola.
Por respirar, por poder abraçar, por ter a quem abraçar.
Agradeçamos simplesmente, por viver este dia.
Autor:
Texto da Equipe de Redação do Momento Espírita
FONTE: http://www.reflexao.com.br/mensagem_ler.php?idmensagem=349
É interessante anotar como desejamos, no mundo, tantas coisas, que nos parecem imprescindíveis.
Quantas vezes, em meio às tarefas que nos cabem, na oficina de trabalho, não desejamos um emprego melhor?
Pois é. Gostaríamos de um melhor ambiente de trabalho, um chefe menos rigoroso, uma carga horária menor, um salário maior.
No entanto, centenas de pessoas anseiam somente por ter um emprego. Qualquer que fosse. Um salário mínimo, ao menos, para saírem da penúria total.
Quantas vezes reclamamos dos pratos servidos no almoço e no jantar? Sempre a mesma coisa. Parece que a cozinheira está desprovida de idéias ou anda com preguiça.
Entretanto, enquanto almejamos pratos mais sofisticados e variados, milhares, no mundo todo, desejam apenas um prato de comida.
Olhamo-nos no espelho e reclamamos da cor dos olhos. Como seria bom se tivéssemos olhos claros. Ou escuros. Mais esverdeados.
Contudo, inúmeras criaturas aguardam simplesmente a oportunidade de enxergar. Anseiam por uma córnea, uma cirurgia que os libere da cegueira em que se encontram.
Encantamo-nos com as vozes do cantor, do locutor e desejaríamos ter uma voz bonita, cristalina. Ou encorpada, máscula.
Ao nosso lado, porém, caminham muitos que desejariam apenas ter a ventura de falar, em qualquer tom.
Pensamos, olhando nossos pais, que seria muito bom se eles fossem mais esclarecidos, tivessem diplomas universitários, conhecessem o mundo.
Tivessem, enfim, uma visão mais ampla do mundo.
Seria tão bom! Mas, em nosso mesmo bairro, existem dezenas de pessoas que almejariam simplesmente ter pais.
Fossem eles iletrados, analfabetos, pobres de entendimento. Mas que estivessem ao seu lado para amá-los.
Reclamamos da rua barulhenta em que se situa a nossa casa, do cachorro do vizinho que late toda noite, perturbando-nos o sono.
Desejaríamos silêncio. Um bairro tranqüilo, cães disciplinados, ruas sem trânsito. Muito silêncio para nossa leitura, nosso descanso, nosso lazer.
Nem nos damos conta que centenas de criaturas almejam ardentemente, simplesmente ouvir. O que quer que seja. O ruído do trânsito, o apito das fábricas, a gritaria da criançada.
Qualquer coisa, contanto que pudessem ouvir.
Olhamos, com olhos de desejo, as vitrinas abarrotadas de sapatos lindos. Modelos recém chegados. Lançamentos.
Gostaríamos tanto que nosso orçamento nos permitisse comprar um novo par. Afinal, os nossos já andam um pouco gastos e fora de moda.
Enquanto olhamos para nossos pés, desejando novos sapatos, muitos contemplam os próprios membros inferiores, desejando apenas ter pés.
Pensamos num carro novo, mais confortável. Um carro com porta-malas maior, que caiba mais coisas.
Enquanto isso, bem próximo de nós, muitos apenas sonham com a possibilidade de se locomover de um lado a outro com as próprias pernas.
É justo sonhar. É bom desejar melhorar o padrão de vida. Isto faz parte do progresso do ser humano.
Entretanto, que esses anseios não se constituam em nossa infelicidade. Não esqueçamos de valorizar o que já temos.
Valorizemos a possibilidade de andar, ouvir, enxergar, de nos locomover de um a outro lado, por nossa própria conta.
Agradeçamos o emprego que nos permite o atendimento das nossas necessidades.
Sejamos gratos pela nossa família, pequena ou grande. Ilustrada ou não.
Agradeçamos, enfim, a Deus, pelo dom da vida. Por estar na terra, abençoada escola.
Por respirar, por poder abraçar, por ter a quem abraçar.
Agradeçamos simplesmente, por viver este dia.
Autor:
Texto da Equipe de Redação do Momento Espírita
FONTE: http://www.reflexao.com.br/mensagem_ler.php?idmensagem=349
Walcyr Carrasco
CRÔNICA
A loucura de cada um
Foi-se o tempo em que chamar alguém de paranóico era xingamento
Walcyr Carrasco
O mundo anda tão doido que paranóia se transformou em sintoma de saúde. É incrível dizer uma coisa dessas. Quando era novinho, chamar alguém de paranóico era xingamento dos feios. Algo para cortar relações, no mínimo. Outro dia ouvi uma amiga:
– Estou absolutamente paranóica. Não saio mais de casa.
Alguém da turma se levantou para aconselhar? Pelo contrário. Elogiaram.
– Você faz muito bem – concordou um rapaz.
– Não dá mais para sair de casa.
E aí as histórias começam a ser desfiadas. Um foi rendido quando entrava na garagem.
– Foi uma sorte! Só levaram o carro!
Roubarem o carro agora é sorte? Pois é. Virou sorte.
Outra conheceu um rapaz pela internet. O encontro foi na praça de alimentação de um shopping. Papo maravilhoso. E mais: o sujeito era personal trainer. Corpo malhadíssimo. Barriga de tanque. Ela, trintona e meio fora do peso, nem conseguia acreditar. Ele falou sobre sua atração por mulheres mais velhas. Na despedida, surpresa das surpresas. O rapaz fez questão de pagar a conta. Saiu nas nuvens. Novo compromisso marcado para a noite de sábado. Passou três dias sonhando. Chegou a examinar os armários, imaginando onde ele colocaria as roupas assim que fossem morar juntos. Já estava decidida a se casar e comemorar bodas de prata. Contou a aventura à melhor amiga.
– Sabe onde ele mora? – inquiriu a outra.
Percebeu que tinha dado o número do apartamento, telefone, tudo. Dele, pouco sabia. Havia uma explicação. O rapaz, vindo do interior, aparentemente, não estava nadando em dinheiro. Talvez morasse em uma quitinete. Poderia ter ficado sem jeito de revelar a modéstia de seu endereço.
– Telefone fixo, ele tem? – continuou o questionário.
– Só o celular! – gemeu a apaixonada.
– Vai sair sozinha, de noite, com um cara que só deu o celular?
Passou a noite sem dormir, revolvendo-se na cama. Chorou.
No sábado, a amiga chegou às 4 da tarde.
– É melhor não se arriscar. Venha ao cinema comigo.
Assistiu ao filme pensando nele. Jantaram no japonês. Passaram a noite toda falando sobre como seria bom ter um relacionamento. Mais tarde, no apartamento, teve vontade de chorar. Ele deixara quatro recados na secretária eletrônica.
Lamentou-se com a amiga no dia seguinte.
– Se ele insistiu tanto, é porque tinha má intenção.
– Ou estava gostando de mim – choramingou.
Silêncio constrangedor do outro lado.
– Por que um garotão ia se interessar por você?
Desligou, sentindo-se salva. E absurdamente infeliz.
Dois amigos mudaram-se para uma casa lindíssima. De esquina. Estão cercados por fios eletrificados. Câmeras. Sensores. Segurança na porta. Um cômodo de concreto, blindado, com uma linha telefônica. Só falta chegarem os cachorros, de uma raça feroz. Os filhotes já estão encomendados.
– Não há o risco de os cães devorarem alguma visita? – pergunto timidamente, já pensando em meus próprios fundilhos.
Os dois se olham, pensativos.
– Impossível viver sem proteção.
Há alguns anos, se alguém pensasse em morar cercado por tantos apetrechos, seria até esquisito. Hoje, dá inveja.
Em tempo: segundo o Aurélio, paranóia é "uma psicopatia (...) evoluindo para delírios persecutório e de (...)". Mas a palavra anda mudando de sentido. Só os psiquiatras ainda dizem que é doença. Para simples mortais como eu, virou uma coisa normalíssima. Daqui a pouco, vai se transformar em elogio. Que tempos, hein?
A loucura de cada um
Foi-se o tempo em que chamar alguém de paranóico era xingamento
Walcyr Carrasco
O mundo anda tão doido que paranóia se transformou em sintoma de saúde. É incrível dizer uma coisa dessas. Quando era novinho, chamar alguém de paranóico era xingamento dos feios. Algo para cortar relações, no mínimo. Outro dia ouvi uma amiga:
– Estou absolutamente paranóica. Não saio mais de casa.
Alguém da turma se levantou para aconselhar? Pelo contrário. Elogiaram.
– Você faz muito bem – concordou um rapaz.
– Não dá mais para sair de casa.
E aí as histórias começam a ser desfiadas. Um foi rendido quando entrava na garagem.
– Foi uma sorte! Só levaram o carro!
Roubarem o carro agora é sorte? Pois é. Virou sorte.
Outra conheceu um rapaz pela internet. O encontro foi na praça de alimentação de um shopping. Papo maravilhoso. E mais: o sujeito era personal trainer. Corpo malhadíssimo. Barriga de tanque. Ela, trintona e meio fora do peso, nem conseguia acreditar. Ele falou sobre sua atração por mulheres mais velhas. Na despedida, surpresa das surpresas. O rapaz fez questão de pagar a conta. Saiu nas nuvens. Novo compromisso marcado para a noite de sábado. Passou três dias sonhando. Chegou a examinar os armários, imaginando onde ele colocaria as roupas assim que fossem morar juntos. Já estava decidida a se casar e comemorar bodas de prata. Contou a aventura à melhor amiga.
– Sabe onde ele mora? – inquiriu a outra.
Percebeu que tinha dado o número do apartamento, telefone, tudo. Dele, pouco sabia. Havia uma explicação. O rapaz, vindo do interior, aparentemente, não estava nadando em dinheiro. Talvez morasse em uma quitinete. Poderia ter ficado sem jeito de revelar a modéstia de seu endereço.
– Telefone fixo, ele tem? – continuou o questionário.
– Só o celular! – gemeu a apaixonada.
– Vai sair sozinha, de noite, com um cara que só deu o celular?
Passou a noite sem dormir, revolvendo-se na cama. Chorou.
No sábado, a amiga chegou às 4 da tarde.
– É melhor não se arriscar. Venha ao cinema comigo.
Assistiu ao filme pensando nele. Jantaram no japonês. Passaram a noite toda falando sobre como seria bom ter um relacionamento. Mais tarde, no apartamento, teve vontade de chorar. Ele deixara quatro recados na secretária eletrônica.
Lamentou-se com a amiga no dia seguinte.
– Se ele insistiu tanto, é porque tinha má intenção.
– Ou estava gostando de mim – choramingou.
Silêncio constrangedor do outro lado.
– Por que um garotão ia se interessar por você?
Desligou, sentindo-se salva. E absurdamente infeliz.
Dois amigos mudaram-se para uma casa lindíssima. De esquina. Estão cercados por fios eletrificados. Câmeras. Sensores. Segurança na porta. Um cômodo de concreto, blindado, com uma linha telefônica. Só falta chegarem os cachorros, de uma raça feroz. Os filhotes já estão encomendados.
– Não há o risco de os cães devorarem alguma visita? – pergunto timidamente, já pensando em meus próprios fundilhos.
Os dois se olham, pensativos.
– Impossível viver sem proteção.
Há alguns anos, se alguém pensasse em morar cercado por tantos apetrechos, seria até esquisito. Hoje, dá inveja.
Em tempo: segundo o Aurélio, paranóia é "uma psicopatia (...) evoluindo para delírios persecutório e de (...)". Mas a palavra anda mudando de sentido. Só os psiquiatras ainda dizem que é doença. Para simples mortais como eu, virou uma coisa normalíssima. Daqui a pouco, vai se transformar em elogio. Que tempos, hein?
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009
Vaidade
Vaidade
Florbela Espanca
A um grande poeta de Portugal
Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade !
Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo ! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade !
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita !
Sonho que sou Alguém cá neste mundo ...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada !
E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho ... E não sou nada! ...
Livro de mágoas (1919)
Florbela Espanca
A um grande poeta de Portugal
Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade !
Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo ! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade !
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita !
Sonho que sou Alguém cá neste mundo ...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada !
E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho ... E não sou nada! ...
Livro de mágoas (1919)
quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009
António Vieira
" António Vieira é de fato o maior prosador - direi mais, é o maior artista - da língua portuguesa."
Fernando Pessoa, célebre poeta português
Sugestão de leitura:
Fernando Pessoa, célebre poeta português
Sugestão de leitura:
- Sermão da Sexagésima (http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=1745 )
- Sermão do Mandato, de 1643 (http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/fs000018pdf.pdf)
- Sermão do Mandato, de 1655
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009
Digo e re-digo: Cegos
Cegos
Há dias que não sabemos nada: quem somos nem o que queremos.
Há dias que tudo parece estar errado.
Você do outro lado do rio grita por socorro e aparecem barcos prontos a te ajudar..., mas eles não o vêem. Ninguém te vê.
Sozinho.
Escuro.
Vazio.
Medo.
Medo.
Assim diria o poeta " É solitário andar por entre a gente/ É nunca contentar-se de contente"
Que coisa indigna é essa que nos atrapalha a vida? Insegurança? Covardia?
Honra!? Onde estão os homens amados e honrados?
Onde está a Verdade?
Verdade?
Deus?
Quem é Deus? Eis que te pergunto, dê-me razões, dê-me números.
Fale me de Deus.
É somente Deus que resta e nada mais.
Estou sozinho: eu e eu.
Esse contato próximo comigo me envolve de medo, de um certo pavor... inexplicável.
Medo de mim !
Eis o que sou: um covarde com medo da sombra. Ou será a sombra com medo de um covarde?
Dúvidas. Dúvidas. Dúvidas.
Pontos finais até a última gota de sangue . . .
O que é um ponto final?
O fim? Onde está o começo? O começo termina no fim ou o fim começa no começo?
Perguntas e mais perguntas e não me entendo.
Surrealismo total: viagem ao céu de Dali contemplando as estrelas simbólicas de Meireles, ó grande Cecília - heroína guerreira nessa sútil passagem de um lado para o outro...
Ela bem nos disse que temos um medo, medo de acabar. Mas eu pergunto: no fim ou no começo?
O que precisamos é de Liberté e da alma de Che Guevara, ou quem sabe de algum boêmio que tenha visto a Vida com olhos não pré-ensinados. Sim! Eles - aqueles comportados senhores de gravata e doutores da"vida", da guerra e do mundo - nos ensinam a ver a Vida - da forma mais errônea e ridícula que se possa ousar imaginar.
Miserables! Acabaram com nossos olhos. Estamos cegos, todos cegos.
Ninguém me vê e eu não vejo ninguém.
Estamos sozinhos.
Escuro.
Vazio.
Medo.
Medo.
Paula Cristina
Há dias que não sabemos nada: quem somos nem o que queremos.
Há dias que tudo parece estar errado.
Você do outro lado do rio grita por socorro e aparecem barcos prontos a te ajudar..., mas eles não o vêem. Ninguém te vê.
Sozinho.
Escuro.
Vazio.
Medo.
Medo.
Assim diria o poeta " É solitário andar por entre a gente/ É nunca contentar-se de contente"
Que coisa indigna é essa que nos atrapalha a vida? Insegurança? Covardia?
Honra!? Onde estão os homens amados e honrados?
Onde está a Verdade?
Verdade?
Deus?
Quem é Deus? Eis que te pergunto, dê-me razões, dê-me números.
Fale me de Deus.
É somente Deus que resta e nada mais.
Estou sozinho: eu e eu.
Esse contato próximo comigo me envolve de medo, de um certo pavor... inexplicável.
Medo de mim !
Eis o que sou: um covarde com medo da sombra. Ou será a sombra com medo de um covarde?
Dúvidas. Dúvidas. Dúvidas.
Pontos finais até a última gota de sangue . . .
O que é um ponto final?
O fim? Onde está o começo? O começo termina no fim ou o fim começa no começo?
Perguntas e mais perguntas e não me entendo.
Surrealismo total: viagem ao céu de Dali contemplando as estrelas simbólicas de Meireles, ó grande Cecília - heroína guerreira nessa sútil passagem de um lado para o outro...
Ela bem nos disse que temos um medo, medo de acabar. Mas eu pergunto: no fim ou no começo?
O que precisamos é de Liberté e da alma de Che Guevara, ou quem sabe de algum boêmio que tenha visto a Vida com olhos não pré-ensinados. Sim! Eles - aqueles comportados senhores de gravata e doutores da"vida", da guerra e do mundo - nos ensinam a ver a Vida - da forma mais errônea e ridícula que se possa ousar imaginar.
Miserables! Acabaram com nossos olhos. Estamos cegos, todos cegos.
Ninguém me vê e eu não vejo ninguém.
Estamos sozinhos.
Escuro.
Vazio.
Medo.
Medo.
Paula Cristina
Soneto 003
003
Camões
Busque Amor novas artes, novo engenho,
para matar me, e novas esquivanças;
que não pode tirar me as esperanças,
que mal me tirará o que eu não tenho.
Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças, andando em bravo mar, perdido o lenho.
Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.
Que dias há que n'alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei onde,
vem não sei como, e dói não sei porquê.
Camões
Busque Amor novas artes, novo engenho,
para matar me, e novas esquivanças;
que não pode tirar me as esperanças,
que mal me tirará o que eu não tenho.
Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças, andando em bravo mar, perdido o lenho.
Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.
Que dias há que n'alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei onde,
vem não sei como, e dói não sei porquê.
Soneto - Camões
114
Ah! Fortuna cruel! Ah! duros Fados!
Quão asinha em meu dano vos mudastes!
Passou o tempo que me descansastes,
agora descansais com meus cuidados.
Deixastes-me sentir os bens passados,
para mor dor da dor que me ordenastes;
então nü'hora juntos mos levastes,
deixando em seu lugar males dobrados.
Ah! quanto milhor fora não vos ver,
gostos, que assi passais tão de corrida,
que fico duvidoso se vos vi:
sem vós já me não fica que perder,
se não se for esta cansada vida,
que por mor perda minha não perdi.
FONTE: http://www.bibvirt.futuro.usp.br/content/view/full/1899#114
Ah! Fortuna cruel! Ah! duros Fados!
Quão asinha em meu dano vos mudastes!
Passou o tempo que me descansastes,
agora descansais com meus cuidados.
Deixastes-me sentir os bens passados,
para mor dor da dor que me ordenastes;
então nü'hora juntos mos levastes,
deixando em seu lugar males dobrados.
Ah! quanto milhor fora não vos ver,
gostos, que assi passais tão de corrida,
que fico duvidoso se vos vi:
sem vós já me não fica que perder,
se não se for esta cansada vida,
que por mor perda minha não perdi.
FONTE: http://www.bibvirt.futuro.usp.br/content/view/full/1899#114
terça-feira, 10 de fevereiro de 2009
Ensinamento
Ensinamento
Adélia Prado
Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
"Coitado, até essa hora no serviço pesado".
Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente,
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.
--------------------------------------------------------------------------------
Poesia reunida, Editora Siciliano, 1991 - S.Paulo, Brasil
Adélia Prado
Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
"Coitado, até essa hora no serviço pesado".
Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente,
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.
--------------------------------------------------------------------------------
Poesia reunida, Editora Siciliano, 1991 - S.Paulo, Brasil
sábado, 7 de fevereiro de 2009
Le Petit Prince
Chapitre XXI
Le Petit Prince, Antoine de Saint Exupéry
C'est alors qu'apparut le renard.
-Bonjour, dit le renard.
-Bonjour, répondit poliment le petit prince, qui se tourna mais ne vit rien.
-Je suis là, dit la voix, sous le pommier.
-Qui es-tu? dit le petit prince. Tu es bien joli…
-Je suis un renard, dit le renard.
-Viens jouer avec moi, lui proposa le petit prince. Je suis tellement triste…
-Je ne puis pas jouer avec toi, dit le renard. Je ne suis pas apprivoisé
-Ah! Pardon, fit le petit prince.
Mais après réflexion, il ajouta :
-Qu'est-ce que signifie "apprivoiser"?
-Tu n'es pas d'ici, dit le renard, que cherches-tu?
-Je cherche les hommes, dit le petit prince.Qu'est-ce que signifie "apprivoiser"?
-Les hommes, dit le renard, ils ont des fusils et ils chassent. C'est bien gênant! Il élèvent aussi des poules. C'est leur seul intérêt. Tu cherches des poules?
-Non, dit le petit prince. Je cherche des amis.Qu'est-ce que signifie "apprivoiser"?
-C'est une chose trop oubliée, dit le renard. Ca signifie "Créer des liens…"
-Créer des liens?
-Bien sûr,dit le renard. Tu n'es encore pour moi qu'un petit garçon tout semblable à cent mille petits garçons. Et je n'ai pas besoin de toi. Et tu n'a pas besoin de moi non plus. Je ne suis pour toi qu'un renard semblable à cent mille renards. Mais, si tu m'apprivoises, nous aurons besoin l'un de l'autre. Tu seras pour moi unique au monde. Je serai pour toi unique au monde…
-Je commence à comprendre, dit le petit prince. Il y a une fleur… je crois qu'elle m'a apprivoisé…
-C'est possible, dit le renard. On voit sur la Terre toutes sortes de choses…
-Oh! ce n'est pas sur la Terre, dit le petit prince. Le renard parut très intrigué :
-Sur une autre planète ?
-Oui.
-Il y a des chasseurs sur cette planète-là ?
-Non.
-Ca, c'est intéressant! Et des poules ?
-Non.
-Rien n'est parfait, soupira le renard.
Mais le renard revint à son idée :
-Ma vie est monotone. Je chasse les poules, les hommes me chassent. Toutes les poules se ressemblent, et tous les hommes se ressemblent. Je m'ennuie donc un peu. Mais si tu m'apprivoises, ma vie sera comme ensoleillée. Je connaîtrai un bruit de pas qui sera différent de tous les autres. Les autres pas me font rentrer sous terre. Le tien m'appelera hors du terrier, comme une musique. Et puis regarde! Tu vois, là-bas, les champs de blé? Je ne mange pas de pain. Le blé pour moi est inutile. Les champs de blé ne me rappellent rien. Et ça, c'est triste! Mais tu a des cheveux couleur d'or. Alors ce sera merveilleux quand tu m'aura apprivoisé! Le blé, qui est doré, me fera souvenir de toi. Et j'aimerai le bruit du vent dans le blé…
Le renard se tut et regarda longtemps le petit prince :
-S'il te plaît… apprivoise-moi! dit-il.
-Je veux bien, répondit le petit prince, mais je n'ai pas beaucoup de temps. J'ai des amis à découvrir et beaucoup de choses à connaître.
-On ne connaît que les choses que l'on apprivoise, dit le renard. Les hommes n'ont plus le temps de rien connaître. Il achètent des choses toutes faites chez les marchands. Mais comme il n'existe point de marchands d'amis, les hommes n'ont plus d'amis. Si tu veux un ami, apprivoise-moi!
-Que faut-il faire? dit le petit prince.
-Il faut être très patient, répondit le renard. Tu t'assoiras d'abord un peu loin de moi, comme ça, dans l'herbe. Je te regarderai du coin de l'oeil et tu ne diras rien. Le langage est source de malentendus. Mais, chaque jour, tu pourras t'asseoir un peu plus près…
Le lendemain revint le petit prince.
-Il eût mieux valu revenir à la même heure, dit le renard. Si tu viens, par exemple, à quatre heures de l'après-midi, dès trois heures je commencerai d'être heureux. Plus l'heure avancera, plus je me sentirai heureux. à quatre heures, déjà, je m'agiterai et m'inquiéterai; je découvrira le prix du bonheur! Mais si tu viens n'importe quand, je ne saurai jamais à quelle heure m'habiller le coeur… il faut des rites.
-Qu'est-ce qu'un rite? dit le petit prince.
-C'est quelque chose trop oublié, dit le renard. C'est ce qui fait qu'un jour est différent des autres jours, une heure, des autres heures. Il y a un rite, par exemple, chez mes chasseurs. Ils dansent le jeudi avec les filles du village. Alors le jeudi est jour merveilleux! Je vais me promener jusqu'à la vigne. Si les chasseurs dansaient n'importe quand, les jours se ressembleraient tous, et je n'aurait point de vacances.
Ainsi le petit prince apprivoisa le renard. Et quand l'heure du départ fut proche :
-Ah! dit le renard… je preurerai.
-C'est ta faute, dit le petit prince, je ne te souhaitais point de mal, mais tu as voulu que je t'apprivoise…
-Bien sûr, dit le renard.
-Mais tu vas pleurer! dit le petit prince.
-Bien sûr, dit le renard.
-Alors tu n'y gagnes rien!
-J'y gagne, dit le renard, à cause de la couleur du blé.
Puis il ajouta :
-Va revoir les roses. Tu comprendras que la tienne est unique au monde. Tu reviendras me dire adieu, et je te ferai cadeau d'un secret.
Le petit prince s'en fut revoir les roses.
-Vous n'êtes pas du tout semblables à ma rose, vous n'êtes rien encore, leur dit-il. Personne ne vous a apprivoisé et vous n'avez apprivoisé personne. Vous êtes comme était mon renard. Ce n'était qu'un renard semblable à cent mille autres. Mais j'en ai fait mon ami, et il est maintenant unique au monde.
Et les roses étaient gênées.
-Vous êtes belles mais vous êtes vides, leur dit-il encore. On ne peut pas mourir pour vous. Bien sûr, ma rose à moi, un passant ordinaire croirait qu'elle vous ressemble. Mais à elle seule elle est plus importante que vous toutes, puisque c'est elle que j'ai arrosée. Puisque c'est elle que j'ai abritée par le paravent. Puisque c'est elle dont j'ai tué les chenilles (sauf les deux ou trois pour les papillons). Puisque c'est elle que j'ai écoutée se plaindre, ou se vanter, ou même quelquefois se taire. Puisque c'est ma rose.
Et il revint vers le renard :
-Adieu, dit-il…
-Adieu, dit le renard. Voici mon secret. Il est très simple : on ne voit bien qu'avec le coeur. L'essentiel est invisible pour les yeux.
-L'essentiel est invisible pour les yeux, répéta le petit prince, afin de se souvenir.
-C'est le temps que tu a perdu pour ta rose qui fait ta rose si importante.
-C'est le temps que j'ai perdu pour ma rose… fit le petit prince, afin de se souvenir.
-Les hommes on oublié cette vérité, dit le renard. Mais tu ne dois pas l'oublier. Tu deviens responsable pour toujours de ce que tu as apprivoisé. Tu es responsable de ta rose…
-Je suis responsable de ma rose… répéta le petit prince, afin de se souvenir.
C'est alors qu'apparut le renard.
-Bonjour, dit le renard.
-Bonjour, répondit poliment le petit prince, qui se tourna mais ne vit rien.
-Je suis là, dit la voix, sous le pommier.
-Qui es-tu? dit le petit prince. Tu es bien joli…
-Je suis un renard, dit le renard.
-Viens jouer avec moi, lui proposa le petit prince. Je suis tellement triste…
-Je ne puis pas jouer avec toi, dit le renard. Je ne suis pas apprivoisé
-Ah! Pardon, fit le petit prince.
Mais après réflexion, il ajouta :
-Qu'est-ce que signifie "apprivoiser"?
-Tu n'es pas d'ici, dit le renard, que cherches-tu?
-Je cherche les hommes, dit le petit prince.Qu'est-ce que signifie "apprivoiser"?
-Les hommes, dit le renard, ils ont des fusils et ils chassent. C'est bien gênant! Il élèvent aussi des poules. C'est leur seul intérêt. Tu cherches des poules?
-Non, dit le petit prince. Je cherche des amis.Qu'est-ce que signifie "apprivoiser"?
-C'est une chose trop oubliée, dit le renard. Ca signifie "Créer des liens…"
-Créer des liens?
-Bien sûr,dit le renard. Tu n'es encore pour moi qu'un petit garçon tout semblable à cent mille petits garçons. Et je n'ai pas besoin de toi. Et tu n'a pas besoin de moi non plus. Je ne suis pour toi qu'un renard semblable à cent mille renards. Mais, si tu m'apprivoises, nous aurons besoin l'un de l'autre. Tu seras pour moi unique au monde. Je serai pour toi unique au monde…
-Je commence à comprendre, dit le petit prince. Il y a une fleur… je crois qu'elle m'a apprivoisé…
-C'est possible, dit le renard. On voit sur la Terre toutes sortes de choses…
-Oh! ce n'est pas sur la Terre, dit le petit prince. Le renard parut très intrigué :
-Sur une autre planète ?
-Oui.
-Il y a des chasseurs sur cette planète-là ?
-Non.
-Ca, c'est intéressant! Et des poules ?
-Non.
-Rien n'est parfait, soupira le renard.
Mais le renard revint à son idée :
-Ma vie est monotone. Je chasse les poules, les hommes me chassent. Toutes les poules se ressemblent, et tous les hommes se ressemblent. Je m'ennuie donc un peu. Mais si tu m'apprivoises, ma vie sera comme ensoleillée. Je connaîtrai un bruit de pas qui sera différent de tous les autres. Les autres pas me font rentrer sous terre. Le tien m'appelera hors du terrier, comme une musique. Et puis regarde! Tu vois, là-bas, les champs de blé? Je ne mange pas de pain. Le blé pour moi est inutile. Les champs de blé ne me rappellent rien. Et ça, c'est triste! Mais tu a des cheveux couleur d'or. Alors ce sera merveilleux quand tu m'aura apprivoisé! Le blé, qui est doré, me fera souvenir de toi. Et j'aimerai le bruit du vent dans le blé…
Le renard se tut et regarda longtemps le petit prince :
-S'il te plaît… apprivoise-moi! dit-il.
-Je veux bien, répondit le petit prince, mais je n'ai pas beaucoup de temps. J'ai des amis à découvrir et beaucoup de choses à connaître.
-On ne connaît que les choses que l'on apprivoise, dit le renard. Les hommes n'ont plus le temps de rien connaître. Il achètent des choses toutes faites chez les marchands. Mais comme il n'existe point de marchands d'amis, les hommes n'ont plus d'amis. Si tu veux un ami, apprivoise-moi!
-Que faut-il faire? dit le petit prince.
-Il faut être très patient, répondit le renard. Tu t'assoiras d'abord un peu loin de moi, comme ça, dans l'herbe. Je te regarderai du coin de l'oeil et tu ne diras rien. Le langage est source de malentendus. Mais, chaque jour, tu pourras t'asseoir un peu plus près…
Le lendemain revint le petit prince.
-Il eût mieux valu revenir à la même heure, dit le renard. Si tu viens, par exemple, à quatre heures de l'après-midi, dès trois heures je commencerai d'être heureux. Plus l'heure avancera, plus je me sentirai heureux. à quatre heures, déjà, je m'agiterai et m'inquiéterai; je découvrira le prix du bonheur! Mais si tu viens n'importe quand, je ne saurai jamais à quelle heure m'habiller le coeur… il faut des rites.
-Qu'est-ce qu'un rite? dit le petit prince.
-C'est quelque chose trop oublié, dit le renard. C'est ce qui fait qu'un jour est différent des autres jours, une heure, des autres heures. Il y a un rite, par exemple, chez mes chasseurs. Ils dansent le jeudi avec les filles du village. Alors le jeudi est jour merveilleux! Je vais me promener jusqu'à la vigne. Si les chasseurs dansaient n'importe quand, les jours se ressembleraient tous, et je n'aurait point de vacances.
Ainsi le petit prince apprivoisa le renard. Et quand l'heure du départ fut proche :
-Ah! dit le renard… je preurerai.
-C'est ta faute, dit le petit prince, je ne te souhaitais point de mal, mais tu as voulu que je t'apprivoise…
-Bien sûr, dit le renard.
-Mais tu vas pleurer! dit le petit prince.
-Bien sûr, dit le renard.
-Alors tu n'y gagnes rien!
-J'y gagne, dit le renard, à cause de la couleur du blé.
Puis il ajouta :
-Va revoir les roses. Tu comprendras que la tienne est unique au monde. Tu reviendras me dire adieu, et je te ferai cadeau d'un secret.
Le petit prince s'en fut revoir les roses.
-Vous n'êtes pas du tout semblables à ma rose, vous n'êtes rien encore, leur dit-il. Personne ne vous a apprivoisé et vous n'avez apprivoisé personne. Vous êtes comme était mon renard. Ce n'était qu'un renard semblable à cent mille autres. Mais j'en ai fait mon ami, et il est maintenant unique au monde.
Et les roses étaient gênées.
-Vous êtes belles mais vous êtes vides, leur dit-il encore. On ne peut pas mourir pour vous. Bien sûr, ma rose à moi, un passant ordinaire croirait qu'elle vous ressemble. Mais à elle seule elle est plus importante que vous toutes, puisque c'est elle que j'ai arrosée. Puisque c'est elle que j'ai abritée par le paravent. Puisque c'est elle dont j'ai tué les chenilles (sauf les deux ou trois pour les papillons). Puisque c'est elle que j'ai écoutée se plaindre, ou se vanter, ou même quelquefois se taire. Puisque c'est ma rose.
Et il revint vers le renard :
-Adieu, dit-il…
-Adieu, dit le renard. Voici mon secret. Il est très simple : on ne voit bien qu'avec le coeur. L'essentiel est invisible pour les yeux.
-L'essentiel est invisible pour les yeux, répéta le petit prince, afin de se souvenir.
-C'est le temps que tu a perdu pour ta rose qui fait ta rose si importante.
-C'est le temps que j'ai perdu pour ma rose… fit le petit prince, afin de se souvenir.
-Les hommes on oublié cette vérité, dit le renard. Mais tu ne dois pas l'oublier. Tu deviens responsable pour toujours de ce que tu as apprivoisé. Tu es responsable de ta rose…
-Je suis responsable de ma rose… répéta le petit prince, afin de se souvenir.
Marabá
Gonçalves Dias
Eu vivo sozinha, ninguém me procura!
Acaso feitura
Não sou de Tupá!
Se algum dentre os homens de mim não se esconde:
— "Tu és", me responde,
"Tu és Marabá!"
— Meus olhos são garços, são cor das safiras,
— Têm luz das estrelas, têm meigo brilhar;
— Imitam as nuvens de um céu anilado,
— As cores imitam das vagas do mar!
Se algum dos guerreiros não foge a meus passos:
"Teus olhos são garços",
Responde anojado, "mas és Marabá:
"Quero antes uns olhos bem pretos, luzentes,
"Uns olhos fulgentes,
"Bem pretos, retintos, não cor d'anajá!"
— É alvo meu rosto da alvura dos lírios,
— Da cor das areias batidas do mar;
— As aves mais brancas, as conchas mais puras
— Não têm mais alvura, não têm mais brilhar.
Se ainda me escuta meus agros delírios:
— "És alva de lírios",
Sorrindo responde, "mas és Marabá:
"Quero antes um rosto de jambo corado,
"Um rosto crestado
"Do sol do deserto, não flor de cajá."
— Meu colo de leve se encurva engraçado,
— Como hástea pendente do cáctus em flor;
— Mimosa, indolente, resvalo no prado,
— Como um soluçado suspiro de amor! —
"Eu amo a estatura flexível, ligeira,
Qual duma palmeira",
Então me respondem; "tu és Marabá:
"Quero antes o colo da ema orgulhosa,
Que pisa vaidosa,
"Que as flóreas campinas governa, onde está."
— Meus loiros cabelos em ondas se anelam,
— O oiro mais puro não tem seu fulgor;
— As brisas nos bosques de os ver se enamoram
— De os ver tão formosos como um beija-flor!
Mas eles respondem: "Teus longos cabelos,
"São loiros, são belos,
"Mas são anelados; tu és Marabá:
"Quero antes cabelos, bem lisos, corridos,
"Cabelos compridos,
"Não cor d'oiro fino, nem cor d'anajá,"
————
E as doces palavras que eu tinha cá dentro
A quem nas direi?
O ramo d'acácia na fronte de um homem
Jamais cingirei:
Jamais um guerreiro da minha arazóia
Me desprenderá:
Eu vivo sozinha, chorando mesquinha,
Que sou Marabá!
Gonçalves Dias
Eu vivo sozinha, ninguém me procura!
Acaso feitura
Não sou de Tupá!
Se algum dentre os homens de mim não se esconde:
— "Tu és", me responde,
"Tu és Marabá!"
— Meus olhos são garços, são cor das safiras,
— Têm luz das estrelas, têm meigo brilhar;
— Imitam as nuvens de um céu anilado,
— As cores imitam das vagas do mar!
Se algum dos guerreiros não foge a meus passos:
"Teus olhos são garços",
Responde anojado, "mas és Marabá:
"Quero antes uns olhos bem pretos, luzentes,
"Uns olhos fulgentes,
"Bem pretos, retintos, não cor d'anajá!"
— É alvo meu rosto da alvura dos lírios,
— Da cor das areias batidas do mar;
— As aves mais brancas, as conchas mais puras
— Não têm mais alvura, não têm mais brilhar.
Se ainda me escuta meus agros delírios:
— "És alva de lírios",
Sorrindo responde, "mas és Marabá:
"Quero antes um rosto de jambo corado,
"Um rosto crestado
"Do sol do deserto, não flor de cajá."
— Meu colo de leve se encurva engraçado,
— Como hástea pendente do cáctus em flor;
— Mimosa, indolente, resvalo no prado,
— Como um soluçado suspiro de amor! —
"Eu amo a estatura flexível, ligeira,
Qual duma palmeira",
Então me respondem; "tu és Marabá:
"Quero antes o colo da ema orgulhosa,
Que pisa vaidosa,
"Que as flóreas campinas governa, onde está."
— Meus loiros cabelos em ondas se anelam,
— O oiro mais puro não tem seu fulgor;
— As brisas nos bosques de os ver se enamoram
— De os ver tão formosos como um beija-flor!
Mas eles respondem: "Teus longos cabelos,
"São loiros, são belos,
"Mas são anelados; tu és Marabá:
"Quero antes cabelos, bem lisos, corridos,
"Cabelos compridos,
"Não cor d'oiro fino, nem cor d'anajá,"
————
E as doces palavras que eu tinha cá dentro
A quem nas direi?
O ramo d'acácia na fronte de um homem
Jamais cingirei:
Jamais um guerreiro da minha arazóia
Me desprenderá:
Eu vivo sozinha, chorando mesquinha,
Que sou Marabá!
Navio Negreiro
Navio Negreiro
Castro Alves
I
'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.
'Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro...
'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...
'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...
Donde vem? onde vai? Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.
Bem feliz quem ali pode nest'hora
Sentir deste painel a majestade!
Embaixo — o mar em cima — o firmamento...
E no mar e no céu — a imensidade!
Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!
Homens do mar! ó rudes marinheiros,
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos!
Esperai! esperai! deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia
Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,
E o vento, que nas cordas assobia...
..........................................................
Por que foges assim, barco ligeiro?
Por que foges do pávido poeta?
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira
Que semelha no mar — doudo cometa!
Albatroz! Albatroz! águia do oceano,
Tu que dormes das nuvens entre as gazas,
Sacode as penas, Leviathan do espaço,
Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.
II
Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!
Cantai! que a morte é divina!
Resvala o brigue à bolina
Como golfinho veloz.
Presa ao mastro da mezena
Saudosa bandeira acena
As vagas que deixa após.
Do Espanhol as cantilenas
Requebradas de langor,
Lembram as moças morenas,
As andaluzas em flor!
Da Itália o filho indolente
Canta Veneza dormente,
— Terra de amor e traição,
Ou do golfo no regaço
Relembra os versos de Tasso,
Junto às lavas do vulcão!
O Inglês — marinheiro frio,
Que ao nascer no mar se achou,
(Porque a Inglaterra é um navio,
Que Deus na Mancha ancorou),
Rijo entoa pátrias glórias,
Lembrando, orgulhoso, histórias
De Nelson e de Aboukir.. .
O Francês — predestinado —
Canta os louros do passado
E os loureiros do porvir!
Os marinheiros Helenos,
Que a vaga jônia criou,
Belos piratas morenos
Do mar que Ulisses cortou,
Homens que Fídias talhara,
Vão cantando em noite clara
Versos que Homero gemeu ...
Nautas de todas as plagas,
Vós sabeis achar nas vagas
As melodias do céu! ...
III
Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras!
É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...
Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!
IV
Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."
E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Qual um sonho dantesco as sombras voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...
V
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!
Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são? Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa Musa,
Musa libérrima, audaz!...
São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão. . .
São mulheres desgraçadas,
Como Agar o foi também.
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N'alma — lágrimas e fel...
Como Agar sofrendo tanto,
Que nem o leite de pranto
Têm que dar para Ismael.
Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis...
Passa um dia a caravana,
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus ...
... Adeus, ó choça do monte,
... Adeus, palmeiras da fonte!...
... Adeus, amores... adeus!...
Depois, o areal extenso...
Depois, o oceano de pó.
Depois no horizonte imenso
Desertos... desertos só...
E a fome, o cansaço, a sede...
Ai! quanto infeliz que cede,
E cai p'ra não mais s'erguer!...
Vaga um lugar na cadeia,
Mas o chacal sobre a areia
Acha um corpo que roer.
Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d'amplidão!
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...
Ontem plena liberdade,
A vontade por poder...
Hoje... cúm'lo de maldade,
Nem são livres p'ra morrer. .
Prende-os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas roscas da escravidão.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute... Irrisão!...
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão! ...
VI
Existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...
Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!
Castro Alves
I
'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.
'Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro...
'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...
'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...
Donde vem? onde vai? Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.
Bem feliz quem ali pode nest'hora
Sentir deste painel a majestade!
Embaixo — o mar em cima — o firmamento...
E no mar e no céu — a imensidade!
Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!
Homens do mar! ó rudes marinheiros,
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos!
Esperai! esperai! deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia
Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,
E o vento, que nas cordas assobia...
..........................................................
Por que foges assim, barco ligeiro?
Por que foges do pávido poeta?
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira
Que semelha no mar — doudo cometa!
Albatroz! Albatroz! águia do oceano,
Tu que dormes das nuvens entre as gazas,
Sacode as penas, Leviathan do espaço,
Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.
II
Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!
Cantai! que a morte é divina!
Resvala o brigue à bolina
Como golfinho veloz.
Presa ao mastro da mezena
Saudosa bandeira acena
As vagas que deixa após.
Do Espanhol as cantilenas
Requebradas de langor,
Lembram as moças morenas,
As andaluzas em flor!
Da Itália o filho indolente
Canta Veneza dormente,
— Terra de amor e traição,
Ou do golfo no regaço
Relembra os versos de Tasso,
Junto às lavas do vulcão!
O Inglês — marinheiro frio,
Que ao nascer no mar se achou,
(Porque a Inglaterra é um navio,
Que Deus na Mancha ancorou),
Rijo entoa pátrias glórias,
Lembrando, orgulhoso, histórias
De Nelson e de Aboukir.. .
O Francês — predestinado —
Canta os louros do passado
E os loureiros do porvir!
Os marinheiros Helenos,
Que a vaga jônia criou,
Belos piratas morenos
Do mar que Ulisses cortou,
Homens que Fídias talhara,
Vão cantando em noite clara
Versos que Homero gemeu ...
Nautas de todas as plagas,
Vós sabeis achar nas vagas
As melodias do céu! ...
III
Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras!
É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...
Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!
IV
Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."
E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Qual um sonho dantesco as sombras voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...
V
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!
Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são? Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa Musa,
Musa libérrima, audaz!...
São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão. . .
São mulheres desgraçadas,
Como Agar o foi também.
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N'alma — lágrimas e fel...
Como Agar sofrendo tanto,
Que nem o leite de pranto
Têm que dar para Ismael.
Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis...
Passa um dia a caravana,
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus ...
... Adeus, ó choça do monte,
... Adeus, palmeiras da fonte!...
... Adeus, amores... adeus!...
Depois, o areal extenso...
Depois, o oceano de pó.
Depois no horizonte imenso
Desertos... desertos só...
E a fome, o cansaço, a sede...
Ai! quanto infeliz que cede,
E cai p'ra não mais s'erguer!...
Vaga um lugar na cadeia,
Mas o chacal sobre a areia
Acha um corpo que roer.
Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d'amplidão!
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...
Ontem plena liberdade,
A vontade por poder...
Hoje... cúm'lo de maldade,
Nem são livres p'ra morrer. .
Prende-os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas roscas da escravidão.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute... Irrisão!...
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão! ...
VI
Existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...
Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!
sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009
Companheiros
Companheiros
Mia Couto
quero
escrever-me de homens
quero
calçar-me de terra
quero ser
a estrada marinha
que prossegue depois do último caminho
e quando ficar sem mim
não tereri escrito
senão por vós
irmãos de um sonho
por vós
que não sereis derrotados
deixo
a paciência dos rios
a idade dos livros
mas não lego
mapa nem bússola
por que andei sempre
sobre meus pés
e doeu-me
às vezes
viver
hei-de inventar
um verso que vos faç justiça
por ora
basta-me o arco-íris
em que vos sonho
basta-te saber que morreis demasiado
por viverdes de menos
mas que permaneceis sem preço
companheiros
Mia Couto
quero
escrever-me de homens
quero
calçar-me de terra
quero ser
a estrada marinha
que prossegue depois do último caminho
e quando ficar sem mim
não tereri escrito
senão por vós
irmãos de um sonho
por vós
que não sereis derrotados
deixo
a paciência dos rios
a idade dos livros
mas não lego
mapa nem bússola
por que andei sempre
sobre meus pés
e doeu-me
às vezes
viver
hei-de inventar
um verso que vos faç justiça
por ora
basta-me o arco-íris
em que vos sonho
basta-te saber que morreis demasiado
por viverdes de menos
mas que permaneceis sem preço
companheiros
quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009
Pequenez...
O Avarento
Contos & Fábulas
O Avarento
Um avarento, após transformar em ouro todos os seus haveres, fundiu o metal numa única barra, que enterrou em determinado lugar, enterrando, com ela, a própria alma.
Costumava ir diariamente contemplar seu tesouro. Certo dia, um indivíduo, compreendendo sua tortura, resolveu desenterrar a barra e levá-la consigo.
Quando o avarento retornou ao lugar onde enterrara o ouro, encontrou-o vazio. Pôs-se, então, a chorar e a puxar os cabelos. Alguém que por ali passava, após inteirar-se do motivo de tão grande desespero, disse-lhe:
─ Não se entristeça assim, meu amigo! Embora você tivesse ouro, na verdade, não o possuía. Pega uma pedra, esconde-a no mesmo lugar e imagine que ali está o ouro que se foi. A pedra será para você o mesmo que o ouro, pois, pelo que observei, quando o ouro verdadeiro ali estava, você não o utilizava para nada.
MORAL: Ter e não desfrutar é o mesmo que não ter.
Autor Desconhecido
O Avarento
Um avarento, após transformar em ouro todos os seus haveres, fundiu o metal numa única barra, que enterrou em determinado lugar, enterrando, com ela, a própria alma.
Costumava ir diariamente contemplar seu tesouro. Certo dia, um indivíduo, compreendendo sua tortura, resolveu desenterrar a barra e levá-la consigo.
Quando o avarento retornou ao lugar onde enterrara o ouro, encontrou-o vazio. Pôs-se, então, a chorar e a puxar os cabelos. Alguém que por ali passava, após inteirar-se do motivo de tão grande desespero, disse-lhe:
─ Não se entristeça assim, meu amigo! Embora você tivesse ouro, na verdade, não o possuía. Pega uma pedra, esconde-a no mesmo lugar e imagine que ali está o ouro que se foi. A pedra será para você o mesmo que o ouro, pois, pelo que observei, quando o ouro verdadeiro ali estava, você não o utilizava para nada.
MORAL: Ter e não desfrutar é o mesmo que não ter.
Autor Desconhecido
terça-feira, 3 de fevereiro de 2009
Justiça ou Vingança?
A justiça selvagem
O desejo de vingança é uma constante na história
humana – e um dos grandes temas da literatura
por Jerônimo Teixeira
Alexandre Dumas (1802-1870) foi o equivalente, na França do século XIX, aos roteiristas da novela das 8 no Brasil de hoje. Românticos e aventurescos, seus livros alcançavam um público vasto e voraz. Um de seus romances mais populares, O Conde de Monte Cristo (tradução de André Telles e Rodrigo Lacerda; Jorge Zahar; 1 376 páginas; 129 reais), acaba de ganhar uma belíssima edição, com notas e ilustrações de época. Narra as desventuras de Edmond Dantès, marinheiro preso sob a acusação falsa de ser partidário do imperador deposto Napoleão Bonaparte (ofensa grave em 1815, tempo da restauração monárquica). Depois de uma fuga espetacular da prisão, Dantès, enriquecido por um providencial tesouro escondido, reinventa-se como o Conde de Monte Cristo e busca destruir aqueles que o desgraçaram. Os exageros folhetinescos de Dumas – vilões que soltam "faíscas de ódio" no olhar – hoje soam um tanto cafonas. No entanto, Monte Cristo sobrevive. Um coração generoso dirá que o apelo da história está na restauração da justiça. O motor do romance, porém, é a vingança. Embora todo cidadão de bem declare sua aversão moral pelo conceito, a vingança delicia leitores há séculos.
"A vingança é um tipo de justiça selvagem" que deve ser "arrancada, como uma erva daninha, pela lei", escreveu o filósofo Francis Bacon, no século XVII. De fato, o estado de direito só pode existir quando a lei substitui as velhas retaliações tribais. O aparato judicial moderno deve, portanto, se afastar da vingança. No entanto, esta sempre fará parte da natureza humana. E é nessa condição que se tornou um dos motivos literários mais antigos – basta pensar no grego Aquiles, na Ilíada de Homero, arrastando com sua biga o cadáver do troiano Heitor, para vingar a morte do amigo Pátroclo.
Cada período histórico tem sua sanha vingativa particular. Na tragédia grega do século V a.C., a vingança costumava ser exercida contra o próprio sangue: Medeia (leia o quadro abaixo) é o exemplo mais terrível. Na virada do século XVI para o XVII, época áurea do teatro inglês, houve mesmo um subgênero particular devotado ao tema – as "peças de vingança". Thomas Kyd, que inaugurou o filão com A Tragédia Espanhola (1587), é também o provável autor de uma primeira versão, que se perdeu, de Hamlet – história hoje conhecida e admirada na versão de Shakespeare. Em sociedades mais dinâmicas que as monarquias retratadas por Kyd e Shakespeare, a vingança começa a se amalgamar com o ressentimento social. Heathcliff, o herói perverso de O Morro dos Ventos Uivantes (1847), clássico romântico da inglesa Emily Brontë, busca a desforra de humilhações sofridas na infância, quando foi adotado por uma família de proprietários rurais que o tratou como servente. De certo modo, ele é o avô dos marginais cariocas que caçam os ricos nos contos de Rubem Fonseca. Com suas enormes diferenças, cada um desses autores explorou uma ambivalência humana fundamental: a fome por justiça convive muitas vezes com a sede de sangue.
Prato que se come frio
Alguns vingadores célebres da literatura
Em família
A tragédia grega pôs em cena vários mitos em que a vingança era exercida dentro da própria família, com assassinatos terríveis de filhos e mães
Exemplo
O caso mais extremo é o de Medeia, na peça de Eurípides: ela mata os próprios filhos para se vingar de Jasão, que a trocou por outra mulher
O injustiçado
Na sociedade mais dinâmica do século XIX, a ascensão social tornou-se fundamental nas tramas – e também a injustiça
Exemplo
Para Edmond Dantès, protagonista de O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas, ficar podre de rico é o pré-requisito para a vingança
O ofendido
O vingador busca reparação para o que julga ser uma grande ofensa – da qual o suposto ofensor às vezes nem tem consciência
Exemplo
Em O Barril de Amontilhado, de Edgar Allan Poe, o vingador empareda seu inimigo numa catacumba. O conto não diz que ofensa ele cometeu para receber esse castigo terrível
O ressentido
Geralmente pobre, o vingador tem raiva dos mais ricos, a quem atribui sua condição humilhante
Exemplo
O personagem central de O Cobrador, conto de Rubem Fonseca, é um pobre-diabo que encontra a realização matando os ricaços
O usurpado
As "peças de vingança" foram um gênero popular no teatro inglês entre os séculos XVI e XVII. O herói vingador é um cortesão injustiçado ou um nobre cujos direitos são usurpados
Exemplo
Hamlet, de Shakespeare, traz à cena um príncipe que vinga a morte do pai – mas essa trama quase se perde no meio de elucubrações filosóficas.
segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009
To be free...
I wish I Knew how it would feel to be free
Lighthouse Family
I wish I knew how it would feel to be free
I wish I could break all the chains holding me
I wish I could say all the things that I should say
Say 'em loud say 'em clear
For the whole wide world to hear
I wish I could share
All the love that's in my heart
Remove all the bars that keep us apart
And I wish you could know how it is to be me
Then you'd see and agree that every man should be free
I wish I could be like a bird in the sky
How sweet it would be if I found I could fly
Well I'd soar to the sun and look down at the sea
And I'd sing cos I know how it feels to be free
I wish I knew how it would feel to be free
I wish I could break all the chains holding me
And I wish I could say all the things that I wanna say
Say 'em loud say 'em clear
For the whole wide world to hear
Say 'em loud say 'em clear
For the whole wide world to hear
Say 'em loud say 'em clear
For the whole wide world to hear
One love one blood
One life you've got to do what you should
One life with each other
Sisters, brothers
One love but we're not the same
We got to carry each other Carry each other
One One One One One...
I knew how it would feel to be free
I knew how it would feel to be free
Lighthouse Family
I wish I knew how it would feel to be free
I wish I could break all the chains holding me
I wish I could say all the things that I should say
Say 'em loud say 'em clear
For the whole wide world to hear
I wish I could share
All the love that's in my heart
Remove all the bars that keep us apart
And I wish you could know how it is to be me
Then you'd see and agree that every man should be free
I wish I could be like a bird in the sky
How sweet it would be if I found I could fly
Well I'd soar to the sun and look down at the sea
And I'd sing cos I know how it feels to be free
I wish I knew how it would feel to be free
I wish I could break all the chains holding me
And I wish I could say all the things that I wanna say
Say 'em loud say 'em clear
For the whole wide world to hear
Say 'em loud say 'em clear
For the whole wide world to hear
Say 'em loud say 'em clear
For the whole wide world to hear
One love one blood
One life you've got to do what you should
One life with each other
Sisters, brothers
One love but we're not the same
We got to carry each other Carry each other
One One One One One...
I knew how it would feel to be free
I knew how it would feel to be free
Quase
QUASE
Carmélia Aragão
“I ERASED THE MESSAGES. I WILL FORGET YOU”.
Na sala da repartição olhava os colegas muito atarefados. Processos e processos! Ainda não fazia um mês que trabalhava ali, mas já sentia o quanto eram, ou pelo menos pareciam ser importantes os serviços da repartição. Mas ela estava lá, como um sonho. Invisível. Porque já fazia algumas semanas que trabalhava, mas não sabia direito qual sua função. E, quando o marido, à noite, perguntava se estava cansada sentia-se constrangida em dizer que não. Aquilo lhe ocupava as tardes. Era como um espaço vazio de quem não viveu nada ou não viu o tempo passar. Começou a ler. Primeiro comprou uns romances policiais na banca da esquina, depois os grandes mestres da literatura local, depois da nacional e, por fim, da universal. Engendrou pela Filosofia, Astronomia, Física e também no estudo de línguas exóticas. Aquele lugar era um objeto perdido, esquecido. Os funcionários eram cobertos por uma pele grossa e gasta como plástico de brinquedo velho. E o mar que batia nas muradas do edifício tornava as tardes mais vagarosas e infinitas como a paisagem de um barco fixada na parede de um consultório médico. Um dia, fora interrompida em meio aos seus estudos de baltusanês.
— O diretor quer falar com a senhora.
Ela o seguiu. Andaram labirinticamente até a diretoria. Acho que não saberia retornar sozinha. Dentro do gabinete, ao invés dos grandes arquivos e pilhas e pilhas de processos que tomavam toda repartição até mesmo no banheiro, havia uma belíssima cama em estilo colonial com travesseiro de plumas e um homem de meia idade, trajando camisolões do séc. XIX, apontou em sua direção:
— Sente-se.
Sentar-se não era uma sugestão, mas uma sentença irrecusável e sem volta. Como um livro mal escrito ou um pressentimento preciso, ela já sabia a que fora convocada.
— A senhora foi promovida.
Já havia fechado a porta da sala e descido à garagem quando percebeu que as chaves do carro haviam ficado em cima da mesa.
— Merda!
O celular chamou.
— Merda!
Na secretaria, estavam organizando uma festa graças a sua promoção. Jurou que quando chegasse à casa contaria tudo ao marido e que por nada no mundo voltaria a trabalhar ali, por nada! Seria difícil que ele aceitasse, porém não iria mais se submeter aquele mundo que ela abafou como um segredo de tão inacreditável. Não sabia ao certo, mas parece que preparavam mais uma cama.
Carmélia Aragão
“I ERASED THE MESSAGES. I WILL FORGET YOU”.
Na sala da repartição olhava os colegas muito atarefados. Processos e processos! Ainda não fazia um mês que trabalhava ali, mas já sentia o quanto eram, ou pelo menos pareciam ser importantes os serviços da repartição. Mas ela estava lá, como um sonho. Invisível. Porque já fazia algumas semanas que trabalhava, mas não sabia direito qual sua função. E, quando o marido, à noite, perguntava se estava cansada sentia-se constrangida em dizer que não. Aquilo lhe ocupava as tardes. Era como um espaço vazio de quem não viveu nada ou não viu o tempo passar. Começou a ler. Primeiro comprou uns romances policiais na banca da esquina, depois os grandes mestres da literatura local, depois da nacional e, por fim, da universal. Engendrou pela Filosofia, Astronomia, Física e também no estudo de línguas exóticas. Aquele lugar era um objeto perdido, esquecido. Os funcionários eram cobertos por uma pele grossa e gasta como plástico de brinquedo velho. E o mar que batia nas muradas do edifício tornava as tardes mais vagarosas e infinitas como a paisagem de um barco fixada na parede de um consultório médico. Um dia, fora interrompida em meio aos seus estudos de baltusanês.
— O diretor quer falar com a senhora.
Ela o seguiu. Andaram labirinticamente até a diretoria. Acho que não saberia retornar sozinha. Dentro do gabinete, ao invés dos grandes arquivos e pilhas e pilhas de processos que tomavam toda repartição até mesmo no banheiro, havia uma belíssima cama em estilo colonial com travesseiro de plumas e um homem de meia idade, trajando camisolões do séc. XIX, apontou em sua direção:
— Sente-se.
Sentar-se não era uma sugestão, mas uma sentença irrecusável e sem volta. Como um livro mal escrito ou um pressentimento preciso, ela já sabia a que fora convocada.
— A senhora foi promovida.
Já havia fechado a porta da sala e descido à garagem quando percebeu que as chaves do carro haviam ficado em cima da mesa.
— Merda!
O celular chamou.
— Merda!
Na secretaria, estavam organizando uma festa graças a sua promoção. Jurou que quando chegasse à casa contaria tudo ao marido e que por nada no mundo voltaria a trabalhar ali, por nada! Seria difícil que ele aceitasse, porém não iria mais se submeter aquele mundo que ela abafou como um segredo de tão inacreditável. Não sabia ao certo, mas parece que preparavam mais uma cama.
Pronominais
Pronominais
Oswald de Andrade
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro
Oswald de Andrade
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro
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