domingo, 15 de fevereiro de 2009

Walcyr Carrasco


CRÔNICA

A loucura de cada um
Foi-se o tempo em que chamar alguém de paranóico era xingamento
Walcyr Carrasco


O mundo anda tão doido que paranóia se transformou em sintoma de saúde. É incrível dizer uma coisa dessas. Quando era novinho, chamar alguém de paranóico era xingamento dos feios. Algo para cortar relações, no mínimo. Outro dia ouvi uma amiga:

– Estou absolutamente paranóica. Não saio mais de casa.

Alguém da turma se levantou para aconselhar? Pelo contrário. Elogiaram.

– Você faz muito bem – concordou um rapaz.

– Não dá mais para sair de casa.

E aí as histórias começam a ser desfiadas. Um foi rendido quando entrava na garagem.

– Foi uma sorte! Só levaram o carro!

Roubarem o carro agora é sorte? Pois é. Virou sorte.

Outra conheceu um rapaz pela internet. O encontro foi na praça de alimentação de um shopping. Papo maravilhoso. E mais: o sujeito era personal trainer. Corpo malhadíssimo. Barriga de tanque. Ela, trintona e meio fora do peso, nem conseguia acreditar. Ele falou sobre sua atração por mulheres mais velhas. Na despedida, surpresa das surpresas. O rapaz fez questão de pagar a conta. Saiu nas nuvens. Novo compromisso marcado para a noite de sábado. Passou três dias sonhando. Chegou a examinar os armários, imaginando onde ele colocaria as roupas assim que fossem morar juntos. Já estava decidida a se casar e comemorar bodas de prata. Contou a aventura à melhor amiga.

– Sabe onde ele mora? – inquiriu a outra.

Percebeu que tinha dado o número do apartamento, telefone, tudo. Dele, pouco sabia. Havia uma explicação. O rapaz, vindo do interior, aparentemente, não estava nadando em dinheiro. Talvez morasse em uma quitinete. Poderia ter ficado sem jeito de revelar a modéstia de seu endereço.

– Telefone fixo, ele tem? – continuou o questionário.

– Só o celular! – gemeu a apaixonada.

– Vai sair sozinha, de noite, com um cara que só deu o celular?

Passou a noite sem dormir, revolvendo-se na cama. Chorou.

No sábado, a amiga chegou às 4 da tarde.

– É melhor não se arriscar. Venha ao cinema comigo.

Assistiu ao filme pensando nele. Jantaram no japonês. Passaram a noite toda falando sobre como seria bom ter um relacionamento. Mais tarde, no apartamento, teve vontade de chorar. Ele deixara quatro recados na secretária eletrônica.

Lamentou-se com a amiga no dia seguinte.

– Se ele insistiu tanto, é porque tinha má intenção.

– Ou estava gostando de mim – choramingou.

Silêncio constrangedor do outro lado.

– Por que um garotão ia se interessar por você?

Desligou, sentindo-se salva. E absurdamente infeliz.

Dois amigos mudaram-se para uma casa lindíssima. De esquina. Estão cercados por fios eletrificados. Câmeras. Sensores. Segurança na porta. Um cômodo de concreto, blindado, com uma linha telefônica. Só falta chegarem os cachorros, de uma raça feroz. Os filhotes já estão encomendados.

– Não há o risco de os cães devorarem alguma visita? – pergunto timidamente, já pensando em meus próprios fundilhos.

Os dois se olham, pensativos.

– Impossível viver sem proteção.

Há alguns anos, se alguém pensasse em morar cercado por tantos apetrechos, seria até esquisito. Hoje, dá inveja.

Em tempo: segundo o Aurélio, paranóia é "uma psicopatia (...) evoluindo para delírios persecutório e de (...)". Mas a palavra anda mudando de sentido. Só os psiquiatras ainda dizem que é doença. Para simples mortais como eu, virou uma coisa normalíssima. Daqui a pouco, vai se transformar em elogio. Que tempos, hein?

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