"A Vida"
"Rude, do coração da noite, a vida começa a palpitar" ( Manuel da Fonseca)
Pois sim. É nessa mesma miséria que nasce a vida, aquela dura e sofrida. De tantos Joãos e Marias, aquela também do finado Zacarias e também a de Severino.
Quem nunca ouviu falar em Severino? Aquele mesmo de João Cabral de Melo Neto, e eis que encontro sua face, face-a-face, com a de Fabiano, o Fabiano do Ramos...
Encontrei por umas andanças dessas (aquelas que nos tira a sola do pé e nos faz sangrar até o último suspiro) o Palmas. Fruto do valente confronto de Manuel da Fonseca, de quem roubei uma frase e botei esta mesma como epígrafe dessas linhas tortas e sem nexo algum, pois que a vida é assim mesmo: não tem vírgula.
É num campo moribundo, sem trigo sem céu sem cor, um desses mesmo, que encontrei o Palmas e sua dura vida dura, feito pedra no chão que se agarra às raízes mais profundas do seio da Terra.
Uma raça que resiste, que terá ainda o direito ao grito, diria minha bela professora da vida, a Lispector.
Grandes palavras, mas pouco feitos.
E por que não convidar para essa insólita passagem os meninos do trapiche? Eita Jorge Amado, não muito amado, agora bem mais sexualizado, mas valente. A miséria transforma o homem. A miséria de uns é a riqueza de outros. Justiça? Não creio nessa hipócrita palavra, não na nossa, a dos homens, a de Deus tem valia, mas no coração dos honestos.
Me lembrei também do bicho-homem do Bandeira. E pergunto pra quê o susto? João Melo (este angolano) também diz que lá por Luanda e seus arredores tem muitas cestas de lixo e ratos e sujeira e homens. Filhos da dor e da fome.
Valentia de quem escreve a vida tal como ela é e não com flores e doces.
É um gemido aterrorizante que fica zumbindo no ouvido da gente, é uma dor sem tamanha: é a vida seca, que tem cactos e ossos, magro boi morto e um seara de vento.
É a vida meu Deus! Nesse mundo de meu Deus, quem come é rico, quem trabalha é rei.
Mas quem vive, quem vive mesmo esta teimosa vida é quem pode dizer: é no lodo que mora o lírio, é da lama do mangue que brota a vida, é da seca que nasce o homem.
"Rude, do coração da noite, a vida começa a palpitar"
Paula Cristina