segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Quase

QUASE
Carmélia Aragão


“I ERASED THE MESSAGES. I WILL FORGET YOU”.



Na sala da repartição olhava os colegas muito atarefados. Processos e processos! Ainda não fazia um mês que trabalhava ali, mas já sentia o quanto eram, ou pelo menos pareciam ser importantes os serviços da repartição. Mas ela estava lá, como um sonho. Invisível. Porque já fazia algumas semanas que trabalhava, mas não sabia direito qual sua função. E, quando o marido, à noite, perguntava se estava cansada sentia-se constrangida em dizer que não. Aquilo lhe ocupava as tardes. Era como um espaço vazio de quem não viveu nada ou não viu o tempo passar. Começou a ler. Primeiro comprou uns romances policiais na banca da esquina, depois os grandes mestres da literatura local, depois da nacional e, por fim, da universal. Engendrou pela Filosofia, Astronomia, Física e também no estudo de línguas exóticas. Aquele lugar era um objeto perdido, esquecido. Os funcionários eram cobertos por uma pele grossa e gasta como plástico de brinquedo velho. E o mar que batia nas muradas do edifício tornava as tardes mais vagarosas e infinitas como a paisagem de um barco fixada na parede de um consultório médico. Um dia, fora interrompida em meio aos seus estudos de baltusanês.

— O diretor quer falar com a senhora.

Ela o seguiu. Andaram labirinticamente até a diretoria. Acho que não saberia retornar sozinha. Dentro do gabinete, ao invés dos grandes arquivos e pilhas e pilhas de processos que tomavam toda repartição até mesmo no banheiro, havia uma belíssima cama em estilo colonial com travesseiro de plumas e um homem de meia idade, trajando camisolões do séc. XIX, apontou em sua direção:

— Sente-se.

Sentar-se não era uma sugestão, mas uma sentença irrecusável e sem volta. Como um livro mal escrito ou um pressentimento preciso, ela já sabia a que fora convocada.

— A senhora foi promovida.

Já havia fechado a porta da sala e descido à garagem quando percebeu que as chaves do carro haviam ficado em cima da mesa.

— Merda!

O celular chamou.

— Merda!

Na secretaria, estavam organizando uma festa graças a sua promoção. Jurou que quando chegasse à casa contaria tudo ao marido e que por nada no mundo voltaria a trabalhar ali, por nada! Seria difícil que ele aceitasse, porém não iria mais se submeter aquele mundo que ela abafou como um segredo de tão inacreditável. Não sabia ao certo, mas parece que preparavam mais uma cama.

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